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Políticos são como águas-vivas?

  • Prof. Ney Mello
  • 12 de dez. de 2017
  • 4 min de leitura

Na série "Política Animal"- da Rádio Animal na 94,1fm RJ, tenho falado sobre animais que seriam candidatos a governarem o mundo, reconstruindo a política humana. Talvez o animal que mais se aproxima aos nossos políticos contemporâneos seja a água-viva. Ou medusas, tanto faz. O manifesto satírico - mas com verdades científicas - traz hoje as águas-vivas no partido "PODEMOS". Veja, leitor e ouvinte do programa, se concorda.

Medusa ovo-frito Cotylorhiza tuberculata, do Mediterrâneo. Concorda que o nome tem a ver?

O PODEMOS tem uma plataforma polêmica de governo. Nosso líder é o candidato água-viva. Queremos resolver problemas nada democráticos e relacionados a apenas um tipo de animal: as águas-vivas. Não acreditamos em aquecimento global, e defendemos o porte de armas em qualquer lugar. E sobre o aborto, tanto faz para nós. Não nos importamos se uma fêmea quer sacrificar sua cria placentária. Agora, em nossa plataforma de governo, identidade de gênero é irrelevante. Somos agressivas há mais de 700 milhões de anos. Na verdade, fomos a primeira forma de vida a se associar à política. De onde vem esse nome do partido? Vem de nossa forte personalidade, porque nós águas-vivas, como um dos primeiros animais da Terra, PODEMOS dizer o que quisermos. Somos os melhores animais para dominar o mundo deixado pelos humanos. Eis os fatos:


"Porte de armas, aquecimento global, aborto e identidade de gênero. Águas-vivas são polêmicas".


O aquecimento global tem grande influência nas águas-vivas do mundo. O Donald Trump - e uma série de pessoas bem ignorantes - afirma que esta é uma uma invenção criada dificultar o nosso progresso e crescimento. Acontece que o aumento da temperatura global tem ocorrido, coincidentemente, com explosões no número de águas-vivas [1]. E têm sido vistas águas-vivas gigantes com mais de 35 metros de diâmetro [2], maiores que uma baleia-azul que é o maior animal da Terra! Era... agora são as águas-vivas, o que mostra o domínio das medusas. O Donald Trump concordaria que isso de aquecimento global é intriga... que o número e tamanho de águas-vivas tem aumentado por ação de alguma divindade, ou quem sabe por um plano de Kim Jong-un, ditador maeu michin (muito louco, em coreano) da Coréia do Norte. Será?

Nossa plataforma acredita que todo animal é livre para portar armas. Nós, por exemplo, temos porte irrestrito. Todos os tentáculos estão armados com milhares de microagulhas. Se uma presa encosta, um gatilho é acionado e elas são disparadas contra o agressor. Aí o agressor se torna o agredido, um mero detalhe. As neurotoxinas agem rápido fazendo a vítima paralisar.

"Neurotoxinas nos tentáculos das medusas são moléculas que fazem uma inflamação e paralisam a vítima. Parece que queima, mas não queima".

Ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus) eclodindo do ovo.

Poucas plataformas têm coragem para falar sobre o aborto. Nosso partido pouco se importa. Essa manifestação de abrir mão de um filhote é uma visão humana. Nada disso estaria em discussão se a reprodução não tivesse enveredado para a viviparidade (um filhote gerido pela fêmea). Um mamífero perder o filhote é aborto, mas se ele come um ovo tudo bem! Os mamíferos humanos são a favor da vida... deles. Nós culpamos o surgimento da placenta [3,4,5], que apareceu logo depois dos ornitorrincos. Os colegas ornitorrincos do outro partido surgiram em cima do muro, porque são mamíferos mas ainda colocam ovos. Mas a placenta tornou tudo mais pessoal para os mamíferos que vieram depois, principalmente os humanos que se apegam aos seus descendentes de placenta. Para as águas-vivas, não existe apego. A vida é uma luta de células para sobreviverem, e nada mais. Abrir mão de algumas medusas pelo bem de toda uma espécie ou família pode determinar nosso sucesso.

"Mamíferos podem colocar ovos"!


As águas-vivas reconhecem que macho é macho e fêmea é fêmea. Um produz espermatozóides e o outro óvulos. Mas seria errado ter um meio termo nisso? Nossas primas obélias são pequenos cnidários que têm uma fase de vida onde ela é macho e fêmea ao mesmo tempo. Em um ramo do corpo, são produzidas medusas machos e fêmeas que fazem parte do mesmo ser. Nós promovemos muitas reuniões nos mares.

Obélia (esq.), e detalhe em microscopia óptica de um de seus ramos (dir.)



É comum que peixes fiquem embaixo da cabeça de águas-vivas, entre os tentáculos, escondidos de predadores. Alguns deles só se relacionam com o sexo oposto, outros não fazem distinção. Temos até alguns companheiros transgênero, ou seja, peixes que trocam de sexo ao longo da vida por estímulos diversos que geram respostas hormonais [6,7,8]. A plataforma de governo das águas-vivas abraça todas as identidades de gênero, porque como o animal se identifica já é uma questão permitida na natureza há mais de 700 milhões de anos.


"Certos políticos são como águas-vivas: sem coração, cegos e têm a boca no mesmo orifício do ânus".


Embora nossa política sobre o aquecimento global, porte de armas, aborto e identidade de gênero sejam polêmicas para alguns partidos, temos uma plataforma clara de governo, e por isso merecemos o voto popular de animais dominadores do mundo.

Só temos alguns pequenos problemas, de ordem anatômica. Não temos cérebro, somos sem coração, somos totalmente cegos e nossa boca está no mesmo orifício de onde saem nossos dejetos. Não nos julguem, muitos políticos humanos já se pareceram com as águas-vivas.


Donald Trump assina a lei anti-aborto nos EUA. Montagem de https://thebowdoinharpoon.com.

Na próxima Rádio Animal, o PT (Partido dos Teuthida), da ordem das lulas, apresenta seu candidato popular (o lula-gigante), e conta sobre sua plataforma polêmica de governo.


[1] http://www.telegraph.co.uk/news/2016/07/28/global-warming-is-causing-swathes-of-jellyfish-to-flock-to-briti/

[2] http://mentalfloss.com/article/61609/15-facts-about-lions-mane-jellyfish [3] https://www.sciencedaily.com/releases/2007/06/070621135213.htm

[4] PHILLIPS, M.J., 2016. Geomolecular Dating and the Origin of Placental Mammals. Systematic Biology, 65 (3), 546:557. [5] REIS, M.; DONOGHUE, P.C.; YANG, Z., 2014. Neither phylogenomic nor palaeontological data support a Palaeogene origin of placental mammals. Biology Letters, 10 (1), 1:4.

[6] http://www.telegraph.co.uk/science/2017/10/23/transgender-fish-filmed-changing-sex-bbcs-blue-planet-ii/

[7] https://voices.nationalgeographic.org/2013/09/22/7-gender-bending-animals/ [8] http://www.open.edu/openlearn/science-maths-technology/biology/why-do-some-fish-change-sex

 
 
 

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